Comprei passagens aéreas pela internet, posso me arrepender e ter assegurado o estorno de 100% do valor?

Antes de qualquer coisa é preciso esclarecer que o direito de arrependimento está previsto no Código de Defesa do Consumidor – CDC, guardando relação às compras realizadas fora do estabelecimento comercial, podendo o Consumidor desistir destas compras em até 07 dias, a contar do seu recebimento (quando produto).

Por se mostrar oportuno, eis o que estatui o art. 49 do CDC:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

Cabendo a lembrança de que o CDC foi promulgado em 1990, a comercialização de serviços e produtos pela internet sequer era pensada, sendo mais comum, quando não no próprio estabelecimento, as compras via telefone ou catálogos, visando, portanto, o legislador garantir a defesa dos direitos e interesses destes consumidores nestas operações.

Para exercer tal direito, de fato, não é necessária a realização de qualquer fundamentação, explicação ou o que quer que seja, por parte do consumidor, basta ele requerer e só. O Arrependimento é um direito e o artigo firma como condição somente que o consumidor o manifeste sua vontade no prazo de 07 dias.

As resoluções da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC

Mesmo isso sendo claro e incontestável, mesmo este artigo existindo desde 1990, é amplamente conhecida a dificuldade dos consumidores de exercer este direito junto às Companhias Aéreas, criando, inclusive, o “folclore” de que em se tratando de compras de passagens aéreas o direito ao arrependimento não existe. O que está plenamente equivocado.

É um fato que as resoluções da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, que em teoria existe para normatizar e supervisionar a atividade de aviação, por muitas vezes vai ferozmente de encontro aos direitos e interesses do consumidor, convalidando práticas atrozes das companhias aéreas.

De 07 dias, para 24 horas.

Contudo, em resposta à crescente judicialização, das inúmeras decisões desfavoráveis às companhias aéreas, consolidação doutrinária e pacificação do entendimento de que mesmo nas operações de passagens aéreas os consumidores podem se arrepender e reaver os valores pagos em sua totalidade, de forma imediata, a ANAC editou a resolução n.° 400/2016, para operar em concordância com o direito ao arrependimento, mas reduzindo significativamente o prazo de 07 dias, para 24 horas.

Vejamos, pois, o que estabeleceu a ANAC:

Art. 11. O usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante.

Ou seja, em qualquer outro ramo ou segmento comercial, o consumidor tem direito a se arrepender de compras não realizadas no estabelecimento num prazo de 07 dias; contudo, se tratando de passagens aéreas, o consumidor somente pode manifestar o seu arrependimento nas 24 horas subsequentes à compra.

Ah! Existe outro detalhe muito importante, isso só é válido para passagens adquiridas com sete dias ou mais de antecedência, conforme o parágrafo único do artigo 11 supra.

https://images.unsplash.com/photo-1596395819057-e37f55a8516b?ixlib=rb-1.2.1&ixid=MnwxMjA3fDB8MHxwaG90by1wYWdlfHx8fGVufDB8fHx8&auto=format&fit=crop&w=2070&q=80

Mas esta resolução da ANAC se sobrepõe ao cdc?

A resposta correta é que não deveria, mas bem sabemos que alguns juízes tendem a seguir este dispositivo. Felizmente é uma minoria.

Vejamos abaixo um exemplo de julgado que se pauta no CDC e não na Resolução da ANAC:

… 2 – Contrato de transporte. Aquisição de passagem aérea pela internet. Desistência. A faculdade de desistir das compras fora do estabelecimento do fornecedor, prevista no art. 49 do CDC, aplica-se aos contratos de transporte aéreo, concluídos por meio da internet. Ademais, o exercício do direito de arrependimento, por constituir faculdade do consumidor, não o sujeita à aplicação de multa. Precedente: (Acórdão n.935671, 07253718020158070016). Devido, pois, o reembolso do valor integral das passagens adquiridas pelo autor. …” (Acórdão 1175293, 07173046320188070003, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Recursal, data de julgamento: 30/5/2019, publicado no DJE: 13/6/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Vemos acima que a resolução da ANAC sequer foi citada, e não é por menos. As Resoluções de uma autarquia não podem e nunca poderão se sobrepor à Lei.

Entretanto, é pautando-se na Resolução da ANAC que as companhias aéreas não asseguram o direito previsto no artigo 49, levando os consumidores a demandar judicialmente para exercer este direito.

Conclusão

Portanto, apesar de não ser unanimidade entre os Tribunais Pátrios, é forte o entendimento de que o disposto no artigo 49 do CDC deve se sobrepor ao artigo 11 da Resolução 400/2016 da ANAC. Tal posicionamento se pauta, sobretudo, pela proteção ao consumidor conferida pela Constituição Federal, vide arts. 5°, XXXII e 170, V. Bem assim, é a nossa análise, uma Lei nunca deve ser preterida em detrimento de Resoluções de quaisquer Autarquias, sobretudo uma Lei que nasce de previsão e imposição (art. 48 das Disposições Transitórias) Constitucional, sendo direito do consumidor não só o cancelamento como o reembolso de 100% do valor, sem multa, conforme prevê o artigo 49.

Caso necessite de maiores esclarecimentos sobre esse tema ou qualquer outro assunto referente a Defesa do Consumidor, podemos te auxiliar. Saiba que pode contar conosco por aqui ou através de nossos canais.

plugins premium WordPress